História do TIGRE E A MULHER DO
LAVRADOR
Havia na China de antigamente um lavrador muito
medroso. E talvez não lhe faltasse alguma razão, porque,
entre outros perigos de respeito, um tigre de grande porte
rondava o povoado e saltava aos caminhos, exigindo o seu
quinhão.
– Dá-me metade das galinhas que levas para o mercado
– pedia o tigre, numa voz que não era de pedir.
E o pobre camponês, apanhado no caminho, não tinha
outro remédio senão dividir a sua carga a meias com o
tigre.
Um dia, calhou a vez ao lavrador, que sulcava as suas
terras com um arado, puxado por um boi. Apareceu-lhe o
tigre, que disse:
– Dá-me metade desse boi.
O camponês, depois de recuperar a fala, que lhe fugira
com o susto, pediu misericórdia. Atabalhoadamente, tentou
explicar à fera que passar a lavrar a terra só com metade de
um boi não ia ser fácil.
– Quero lá saber! Arranja-te como puderes – disse o
tigre, num tom que não admitia mais discussões.
– Então eu vou buscar o machado a casa, para
dividirmos o boi ao meio – disse o lavrador, a ganhar
tempo.
Quando, esbaforido, chegou a casa e contou à mulher o
que se passara, ela, que era mais destemida do que o
marido (o que não era difícil...), barafustou com o negócio
e propôs-se tratar do caso à sua maneira.
Pendurou uma cabaça ao pescoço, que lhe tapava a boca,
calçou umas andas, vestiu uma longa túnica e escondeu a
cara dentro de uma máscara demoníaca. Parecia um
gigante.
Assim vestida, pôs-se ao caminho, de machado na mão.
Entretanto, ia gritando:
– Apetece-me comer um tigre às fatias, cortadas uma a
uma pelas riscas dos lombos.
– A voz dela ressoava no vazio da cabaça e ribombava,
cava e tremenda.
O tigre ouviu-a e espreitou por entre os canaviais. Seria
o diabo ou a mãe do diabo?
Mais valia não identificar de perto.
E o tigre, de rabo entre as pernas, fugiu daquelas
paragens, para nunca mais ser visto.
Agora vem
A história do FATO AZUL ESCURO
Era uma vez um fato que gostava muito de ir à rua,
mas o dono não lhe fazia a vontade.
Tratava-se de um fato azul escuro, mais ou menos de
cerimónia e com muito pouco uso. O dono comprara-o
para um casamento e, agora uma ou outra ocasião mais
solene, nunca o tirava do guarda-vestidos ou do
guarda-fato, ainda estou para saber ao certo como é que se
diz.
Um dia, um amigo pediu-lho para uma solenidade
qualquer, banquete em embaixada ou coisa assim. Estava
um bocadinho fora de moda, mas no meio de outros fatos,
igualmente azuis escuros ninguém ia reparar.
Lá foi o fatinho todo contente apanhar ar. Pena que não
houvesse mais oportunidades semelhantes, mas para o fato,
que gostava do laréu, aquele sarau mundano já era uma
distracção.
Logo por azar pespegou-se uma grande nódoa no fato,
das renitentes, das pertinazes, que nem com benzina saem.
O pesaroso amigo do dono do fato bem o levou à
lavandaria (ao fato e não ao amigo, já se vê), mas a nódoa
estava para durar e era de uma tão alastrada evidência que
inutilizava o fato para todo o frente.
Que fazer? Comprar um fato igual, era o mais
recomendável. Mas onde arranjá-lo da mesma fazenda e
com o mesmo corte?
O amigo do dono do fato, muito comprometido, foi
retardando a devolução, a ponto de o deixar esquecido
noutro guarda-vestidos (ou guarda-fato?), até ver.
Passado muito tempo, o dono do fato precisou dele,
lembrou-se de que o tinha emprestado e pediu-o de volta.
Embaraçado, o amigo teve de confessar tudo.
Uma tão longa amizade não podia ficar manchada por
uma nódoa.
Os dois amigos combinaram comprar um fato a meias,
que servisse para as ocasiões solenes a que um ou outro
tivesse de ir por obrigação social, e decidiram desfazer-se
do velho fato azul escuro.
Deixado intacto à beira de um contentor do lixo, o
primeiro vagabundo que o viu levou-o. Serviu-lhe às mil
maravilhas. Os fatos, quando dados, costumam quase
sempre cair muito bem.
O fato, agora, anda nas suas setes quintas, maneira de
dizer que está feliz da vida. Passeia habitualmente à noite,
mas vai conhecendo a cidade de lés a lés.
A nódoa, a mais antiga, já que outras, entretanto, se lhe
juntaram, diz para o fato:
– Vês. Se não fosse eu, não tinhas esta sorte…
Dando-lhe razão, o fato agradece. E agradece o
vagabundo que tem roupa para durar. E agradecem os dois
amigos, que ganharam um fato novo. E agradeço eu, que
assim acabei a história.
FIM
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